A ARTE DE REMENDAR

De novo, e não será a última vez, entretenho o leitor com meus experimentos, talhados notadamente com os cinzéis da exaltação e da timidez, para o desdém de tantos e a admiração de uns três ou quatro (autor incluso). Há muito o que dizer, muito mais, eu posso afirmar que há – só não sai. Em casos tais, vale repetir a analogia imbecil do texto anterior: necessário “engraxar” as engrenagens cerebrais, coisa tão insatisfatoriamente explicada e aplicada naquela ocasião, claro que de propósito. Para a presente alternativa temos de confiar em outro verbo, o verbo remendar.

E lá vem ele com enigmas outra vez! Não, é simples. Não estou falando dos tempos em que se remendava meias e paletós. Não, ninguém se lembra disso. É remendar no sentido figurado. O leitor sagaz há de concordar comigo: Boa parte da vida consiste em remendar, dizer novamente com um nadinha autoral o que já foi dito e redito. Assim, remendam-se as saudações e as despedidas, os parabéns, as apresentações, os xavecos, as teses, os conselhos. Remenda-se tudo. Remendam-se até os próprios remendos em momentos de distração ou de preguiça.

Pois bem, e o que é este ofício, o do escrevinhador, senão o do mais refinado remendar? Aqui, já comecei remendando o texto passado, o Superstição, o qual para aqueles três leitores (autor excluso) faltou clareza ou ao menos uma oração que os orientasse no sarapatel de falas soltas, desacompanhadas do tradicional disse fulano, perguntou sicrano – e em razão de tão oportuna crítica este submisso autor também o remendara antes da publicação.

Para honrar a tradição de remendos e já que este texto foi o único, da vez, que não morreu no primeiro parágrafo (sempre haverá o que remendar), perscrutei meus papéis amassados em busca de velhos textos com o fim de remendá-los. Consideradas as diretrizes de remendação deste nobre espaço, selecionei o texto ideal ao contexto remendístico, por justamente se tratar do remendo de uma piada ruim.

Digo, a bem da precisão, não se trata de um remendo, mas de variações sobre a piada dita remendada, de modo semelhante ao que se tem feito com o vocábulo remendar, que foi de verbo a substantivo a adjetivo, ou seja, remendadíssimo, para adicionar ainda um superlativo. Em nome da coerência com a técnica de repetição, aliás remendada do grande Herberto Sales, remendou-se o remendo em vez da variação.

Mas, vá lá, é preciso mais que tudo dar um basta à repetição e entregar algo – algo que vai remendado sem ficar dizendo que foi.

A INVENÇÃO DA RAPADURA

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