PLAQUE!
Estava na escola… fazendo o quê? Bem, não importa; por ora basta dizer: estava na escola. Acompanhado não sei se do meu fiel escudeiro ou se do meu D. Quixote, numa expedição no contraturno letivo, cuja justificativa — por que era mesmo? — desconhecemos. Há muito construíram as novas salas na cobertura do pátio e era já costume consolidado entre os alunos mais velhos passar o recreio na bifurcação da escada. Ela estava lá. Dom ou Sancho foi o primeiro a notar o seu… olhar. Também eu ergui a vista, procurando-o. Ficou de pé — não por algum constrangimento mas porque, mui sagaz, logo flagrou o enredo — encurvou-se e, por entre umas barras pintadas de azul, fitou-nos com seu rostinho de criança travessa. O mesmo gesto se repetiu, trocamos sorrisos e mais: Sim! ela desfilou até os últimos degraus do primeiro lance, deu uma gingadinha e — plaque! — piscou com força, os cílios pesados, a boca semicerrada. Juro! E cadê esses meninos que não vêm? Digo, é no singular ou no plural? Pança/De la Mancha respondia: é contigo, meu filho. A coisa ganhava notoriedade, tornava-se pública a todo o colégio, que até o professor Márcio (lembrei o que fazíamos lá: tinha ensaio teatral da peça para a feira de ciências) que até o professor se aproximou de nós com insinuações: “Vocês viram ali, hein, hã?” sussurrou, golpeando-nos com o cotovelo. “Estão dando mole pra qual dos dois… hein, hein?”
Depois do sinal era comum os alunos descerem, em direção ao banheiro, ao bebedouro, tudo com o honesto propósito de adiar o retorno à sala de aula. Pelo hábito e certamente como último recurso, foi também o que ela fez. Eu, que nem tinha obrigação de cumprir horário, segui a turba, banzeiro e apalermado, com o intuito de, claro, molhar o beiço.
Cheguei antes dela — mais uma prova de que a toureira sacudia o pano vermelho para
atiçar o animal inerte. Ela parou, de costas, e abaixou-se, segurando as mechas
que poderiam se ensopar sobre o jato do bebedouro, gesto cujo desconforto denunciava a sua, tal como a minha, sede inverossímil. Era a derradeira pista.
Instruído,
incentivado, aturado. Contudo e apesar de, o olá perdeu-se nas gengivas. E ela
então partiu, soberana, sem volver a vista, nem por um instante. Contemplei-a
com um sentimento etéreo de um dia revê-la, dividido entre garanhão e eunuco,
entre o papel que logo mais representaria no teatro escolar e a oportunidade
perdida, como se aguardasse a destilação do cálice amargo da vida que não se
viveu e que é fulminante como uma piscadela.
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